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DIA 4 – A reversão do curso da degradação dos ecossistemas passa pela restauração ecológica

A restauração de ecossistemas é uma grande oportunidades para as florestas tropicais, mas, para os corais, é preciso avançar na ciência da restauração antes que seja tarde

Por Paula Drummond

A restauração de ecossistemas é essencial para recuperar serviços ecossistêmicos e biodiversidade em ambientes terrestres e marinhos. Nas florestas tropicais, a regeneração natural se destaca como uma solução eficaz e econômica para restaurar grandes áreas degradadas, ajudando na captura de carbono e no suporte à vida selvagem. Nos ambientes marinhos, entretanto, a restauração de recifes de corais ainda é um desafio, sobretudo em razão do aquecimento dos oceanos.  Os corais têm papel na proteção costeira, suporte à pesca e abrigo para diversas espécies. Sua restauração requer múltiplas ações incluindo a gestão da zona costeira e marinha que envolvam despoluição, controle de espécies exóticas, entre outras. 

Seja no mar ou na terra, a restauração ecológica é mais eficaz quando combinam ciência, políticas públicas e engajamento comunitário para garantir resiliência e sustentabilidade a longo prazo.

Potencial da Regeneração Florestal Global

A regeneração natural das florestas tropicais oferece uma oportunidade única para restaurar a biodiversidade nativa, funções florestais e serviços ecossistêmicos, afirma Robin Chazdon, da Universidade de Connecticut. Estudos de longo prazo mostram que as florestas possuem mecanismos próprios de recuperação, acumulados ao longo de milhões de anos. No entanto, a trajetória de sucessão florestal pode variar bastante dependendo de fatores como o uso anterior do solo, as condições da paisagem e as características das espécies envolvidas.

Modelos preditivos baseados em dados de 2020 sugerem que 215 milhões de hectares de florestas podem se regenerar globalmente até 2030. Brasil e Indonésia representam um terço desse potencial.

Além de ser eficaz em termos de custos, a regeneração natural pode trazer benefícios econômicos significativos, como o armazenamento de 23,4 Gt de CO₂ ao longo de 30 anos. No Brasil, onde o potencial de regeneração natural é o maior do mundo, essa abordagem pode ser expandida com o auxílio de métodos de regeneração assistida, que possibilitariam a restauração de 18,8 milhões de hectares adicionais até 2035. Essa estratégia reduz em até 77% os custos de implementação em comparação ao plantio direto de árvores. No entanto, para desbloquear esse potencial, é fundamental entender como diferentes táxons e espécies, especialmente as nativas e ameaçadas, se recuperam ao longo do tempo, além de mapear áreas com maior viabilidade para regeneração.

A Regeneração Natural na Restauração de Ecossistemas Florestais Brasileiros

A regeneração natural das florestas é reconhecida pela legislação brasileira como uma estratégia válida de restauração, mas ainda há lacunas e contradições a serem superadas. Embora políticas públicas como o PLANAVEG reconheçam a importância do tema, a definição de regeneração natural não está formalizada na legislação, e indicadores amplamente utilizados carecem de valores de referência. 

Para enfrentar esses desafios, o projeto Regenera (SinBiose/Cnpq) analisou 16 instrumentos legais aplicados ao longo de 17 anos na Amazônia brasileira. “Esse esforço resultou na revisão do conceito de ‘integridade ecológica’, definido como a capacidade de um sistema ecológico de sustentar uma comunidade de organismos com composição, diversidade e organização funcional comparáveis a habitats naturais da mesma região e classe de idade”, explicou Catarina Jakovac, da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora do projeto Regenera.

Com base em dados de 448 inventários florestais cobrindo 23 locais e mais de 150 mil árvores, foram desenvolvidos indicadores e valores de referência para monitorar a qualidade ecológica das florestas em regeneração, como biomassa, área basal e riqueza de espécies. Esses indicadores permitem qualificar a regeneração florestal e avaliar sua integridade ecológica em diferentes contextos.  

Corais sob ameaça

Os recifes de coral funcionam como “florestas submersas”, abrigando uma rica biodiversidade e desempenhando um papel crucial nos ecossistemas marinhos. “Os corais estão sob ameaça de pesca excessiva, poluição e mudanças climáticas, especialmente o aquecimento dos oceanos e ondas de calor, que provocam o branqueamento e morte dos corais”, explica Guilherme Longo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. No Brasil, a composição de recifes de corais ao longo de sua costa varia bastante de norte a sul, sendo os corais da região nordeste os mais vulneráveis às mudanças climáticas. 

A maior parte dos esforços globais está concentrada no Pacífico e no Caribe, focando principalmente em corais ramificados, que não ocorrem na costa brasileira. Além disso, o crescimento desses organismos é lento, e os experimentos geralmente envolvem poucas espécies. O custo também é um obstáculo: restaurar apenas 10.000 m² pode custar até US$ 4 milhões.

Mesmo com esse investimento, há fatores incontroláveis, como ondas de calor oceânicas, que podem comprometer todo o esforço. 

“A restauração de corais exige uma base científica sólida. Sem pesquisa, as ações de restauração correm o risco de se tornarem ilusórias, sem impacto real a longo prazo”, alerta Longo. “Além disso, precisamos integrar ciência, sociedade e políticas públicas para proteger os recifes e os serviços ecossistêmicos que oferecem”, finaliza o pesquisador.

Engajamento como estratégia

Letícia Couto-Garcia, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), enfatiza a importância do engajamento de diferentes partes interessadas nos esforços de restauração ecológica, com destaque especial para o Brasil. Ela aponta os desafios para alcançar as metas de restauração, como os interesses conflitantes e a falta de comunicação entre cientistas, políticos, comunidades locais e grupos indígenas, e defende uma abordagem colaborativa que integre todos esses atores.

Um aspecto central que a pesquisadora destaca é a valorização do conhecimento tradicional, ressaltando a necessidade de os cientistas aprenderem com as comunidades indígenas para enriquecer as práticas de restauração. 

Um exemplo concreto vem da gestão indígena do fogo em regiões como as savanas brasileiras. Na Terra Indígena Kadiwéu, brigadas formadas por indígenas, com apoio governamental, utilizam técnicas controladas para prevenir e combater incêndios. Um estudo analisando 18 anos de dados revelou que essas práticas não apenas reduzem a frequência e a intensidade dos incêndios, mas também mitigam os impactos climáticos nas áreas queimadas, demonstrando a eficácia desse manejo na preservação do meio ambiente. Couto-Garcia também destaca a necessidade de integrar esse conhecimento tradicional às políticas públicas para aprimorar as estratégias de gestão ambiental. Por fim, ela ressalta o papel fundamental das mulheres nesses esforços, sublinhando a importância da igualdade de gênero na restauração ecológica.

O Projeto Regenera também relata uma experiência de coprodução de conhecimento em oficinas imersivas com tomadores de decisão como uma decisão essencial para integrar a ciência às políticas públicas. O resultado está retratado em Policy Brief, notas técnicas e um glossário sobre regeneração natural  com o intuito de colocar essa estratégia de restauração no âmbito das políticas públicas para a Amazônia. “Conseguimos até o momento informar como e onde a regeneração natural natural pode servir como estratégia para a restauração de ecossistemas.  Ainda não vimos os indicadores serem amplamente aplicados e sabemos que ainda podemos aprimorá-los. Mas antes um óculos embaçado do que nenhum óculos” compara Catarina Jakovac.

É por meio das redes sociais que Guilherme Longo engajou uma iniciativa de ciência cidadã. #DeOlhonosCorais existe desde 2018 no Instagram e convida sobretudo mergulhadores a postarem fotos de corais e sua localização usando a hashtag do projeto. “No começo foi uma experiência difícil, outra linguagem, mas, aprendemos como funcionam as regras [do Instagram] e jogamos o jogo. Tivemos resultados impressionantes”. Foi por meio de uma foto de um cientista cidadão que o estado do Rio Grande do Norte teve a primeira notificação do coral-sol, uma espécie invasora, que ameaça a biodiversidade de corais da costa brasileira. “Com esta informação, o órgão estadual do meio ambiente do Rio Grande do Norte [IDEMA] iniciou um programa de controle da espécie invasora na costa potiguar” , completa Guilherme Longo.

Sobre a Escola São Paulo de Ciência Avançada “Cocriando Avaliações de Biodiversidade”

Organizada pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia da Unicamp, com apoio da Fapesp, a Escola São Paulo de Ciência Avançada “Co-criando Avaliações de Biodiversidade” reuniu 57 participantes de 22 países de quatro continentes, entre pós-graduandos, pesquisadores em início de carreira, gestores e técnicos da área ambiental. Os participantes passaram 14 dias em São Pedro (SP) discutindo formas de integrar conhecimento acadêmico e prático sobre biodiversidade para subsidiar tomadas de decisão.

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