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DIA 2 – Avaliar eficácia de estratégias de conservação da biodiversidade requer múltiplas abordagens

Integrar ciência, saberes locais e tecnologias avançadas é essencial para proteger a biodiversidade e enfrentar os impactos das atividades humanas no meio ambiente.


Por Paula Drummond

A avaliação e aferição da eficácia de estratégias de conservação são etapas cruciais para garantir que as ações destinadas à proteção da biodiversidade e dos ecossistemas alcancem os resultados esperados. Essas avaliações medem o impacto das iniciativas de conservação em termos ecológicos, sociais e econômicos, e ajudam a identificar práticas que podem ser ajustadas ou replicadas em outros contextos.

Redes de interação ecológica e novas tecnologias no campo

O tema das interações ecológicas foi abordado por Mathias Pires, da Universidade Estadual de Campinas, que destacou a importância de compreender como as espécies interagem para mitigar os impactos da extinção funcional. Esse fenômeno, caracterizado pela perda de funções ecossistêmicas de espécies, é agravado pela desigualdade nos levantamentos de dados entre regiões. 

Segundo o pesquisador, a extinção funcional é uma realidade crescente em diferentes continentes, evidenciada pela queda de índices de abundância populacional. “Para detectar e mitigar o impacto da extinção funcional, é fundamental entender como as espécies interagem entre si e a diversidade de interações se perde de maneira mais rápida do que o desaparecimento das espécies em si”, explica Pires. A perda de habitats, como as florestas, reduz drasticamente o alcance das interações ecológicas, como observado nas ilhas da Usina Hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, localizada na parte nordeste do Estado do Amazonas, no município de Presidente Figueiredo. Estudos com câmeras-trap revelaram uma abundância animal elevada, mas com interações limitadas. As ilhas menores, por exemplo, não conseguem sustentar redes complexas de interações, “a diminuição nas interações pode ocorrer porque algumas espécies já não existem mais naquele local ou restaram poucos representantes nas ilhas, o que diminui a chance de que os animais que poderiam interagir se encontrem”, reforça Pires, como consequência, há a redução das redes de interação ecológica, afetando tanto a biodiversidade quanto os serviços ecossistêmicos.

Segundo Cristina Banks-Leite, do Imperial College London (Reino Unido), existe um horizonte de possibilidades trazidas com a inteligência artificial e outros avanços computacionais na conservação. Ela destacou ferramentas inovadoras que avaliam quanto habitat é necessário para preservar a biodiversidade, combinando critérios de relevância biológica, praticidade e certificabilidade. Além disso, apontou o potencial do monitoramento acústico para identificar espécies, avaliar condições de saúde animal e até explorar formas de comunicação com os animais.  

Monitoramento comunitário

O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), uma experiência comunitária que monitora os impactos da operação de Belo Monte na Volta Grande do Xingu, é um coletivo, composto por cientistas locais e acadêmicos no qual avaliam florestas alagáveis, dinâmicas de pesca e a piracema. “É fundamental que os pesquisadores convivam e escutem as comunidades locais para evitar reproduzir uma ciência eurocêntrica”, afirma Camila Ritter, do Instituto Juruá e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). 

Um exemplo de co-criação é o monitoramento do pirarucu, cuja contagem dos peixes é baseada em sua respiração, técnica aprendida com a comunidade, e validada cientificamente e adotada como metodologia oficial pelo Ibama.  

Os caminhos para a construção de uma ciência engajada com demandas de outros atores envolvidos na conservação da biodiversidade, como a proposta por Camila Ritter,  requer dedicação, tempo e, sobretudo, estar disposto a ouvir. “É preciso interagir para mudar nossa visão”, diz Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental. A pesquisadora é uma das lideranças da Rede Amazônia Sustentável (RAS) que já faz pesquisa há mais de 20 anos na Amazônia. “Nossa pesquisa no início era muito centrada na academia, hoje não fazemos nada sem interação com as comunidades locais”, explica Joice Ferreira.

A pesquisadora destacou a importância da avaliação remota da paisagem e dos dados históricos para entender os impactos do desmatamento na biodiversidade em florestas tropicais. A experiência da RAS na avaliação de diversas dimensões da biodiversidade incluindo homogeneização biótica, dispersão de plantas, taxas de predação e características acústicas. “Em florestas submetidas a distúrbios antropogênicos, a perda de valor de conservação é evidente, indicando que a degradação pode dobrar os impactos negativos na biodiversidade, causando uma ‘dupla degradação’ e afetando profundamente a vida animal e vegetal dessas regiões”, explica a pesquisadora.

Joice Ferreira destaca ainda que, para ampliar o impacto da ciência e romper bolhas sociais, a interação entre a ciência e a sociedade se torna essencial, principalmente no contato com agricultores e comunidades locais. Exemplos disso são os “laboratórios vivos”, onde experimentos socioecológicos são realizados em territórios específicos para o planejamento participativo, integrando o conhecimento indígena local e reconhecendo a agrofloresta como uma alternativa de restauração que equilibra conservação e interesse comunitário. 

Sobre a Escola São Paulo de Ciência Avançada “Cocriando Avaliações de Biodiversidade”

Organizada pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia da Unicamp, com apoio da Fapesp, a Escola São Paulo de Ciência Avançada “Co-criando Avaliações de Biodiversidade” reuniu 57 participantes de 22 países de quatro continentes, entre pós-graduandos, pesquisadores em início de carreira, gestores e técnicos da área ambiental. Os participantes passaram 14 dias em São Pedro (SP) discutindo formas de integrar conhecimento acadêmico e prático sobre biodiversidade para subsidiar tomadas de decisão.

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